Conheça Ricardo Rocha, oficineiro do III FESQUIFF

09/06/2014 15:00

Nos dias 02 e 03 de agosto acontecerão no IFF Campos-Centro as oficinas do III Fesquiff.

O Ricardo Rocha irá ministrar a oficina de O jogo Teatral no Corpo do Ator.

Confira abaixo a entrevista que ele nos concedeu:

1 – Qual a sua motivação para participar do III FESQUIFF?

Artisticamente, fui criado e cresci em festivais de teatro pelo Brasil, de modo que conheço pouco outras realidades que não a do trabalho coletivo, do intercâmbio de experiências e do teatro como o lugar do encontro.

Acredito na força que existe no ambiente de festivais que fortalecem o movimento de teatro de grupo, tornando-se lugar fértil para o crescimento de novos coletivos e de artistas que estão em processo de busca, enriquecendo as trocas e revelando novos horizontes para a trajetória individual de cada pessoa envolvida nesta congregação.

Participar do FESQUIFF é mais uma possibilidade de conhecer um novo cenário que para nós da Multifoco Companhia de Teatro é de extremo valor: encontrar outras maneiras de se ver o teatro, de se fazer, de trocar. 

Somos jovens em nossa trajetória enquanto grupo, mas já "suamos" muito a camisa em diversos festivais pelo Brasil. Isso fortaleceu a companhia, (re)conhecemos uns aos outros em nossas intimidades cotidianas e isso é teatro. Poder ver para além das aparências e para além da sala de ensaio. Acho que é isso que o ambiente dos festivais proporciona, (re)conhecermos uns aos outros, trocarmos, independente da competição que rola. Isso no final não importa tanto. Mas a sensação de retornar para casa e saber que seu trabalho foi visto, essa sim é boa. É tão difícil estar no palco! Certa vez um mestre meu disse:  "se pensarmos quantas vezes estaremos no palco ao longo de um ano, daríamos mais valor todas as vezes que subíssemos nele". Isso ficou na minha cabeça. 

Tomamos esse ensinamento para o grupo e todas as vezes que vamos para o palco lembramos que é pela vontade dos deuses do teatro de conservar nossa vocação. Teatro é isso, vocação! O fazer com vontade -  fazer teatro exige vontade, entrega ao desconhecido e o salto para o risco. No final os Festivais nos proporcionam um pouco disso e acreditamos que no FESQUIFF não será diferente.

2 – Como você avalia a relação do ator com o mercado de trabalho e a sua formação no Brasil de hoje?

Difícil... Conheço pouco o "mercado de trabalho", conheço o teatro de grupo e isso para mim é importante. Então me apego no que li em uma entrevista com Ariane Mnouchkine, uma grande mestra: "eu não saberia o que fazer sem uma companhia".

Hoje temos um assédio muito grande do dito "mercado de trabalho". Todo mundo quer fazer tudo, porque se tem uma ideia de que "quanto mais eu faço, mais eu sei, mas terei chances no mercado". É o mesmo princípio do "funcionário multifuncional" que as grandes corporações exigem. Há oficinas de teatro musical, oficinas de dança, de interpretação, de canto, de ritmo, entre outras variações que todos já conhecem. E todos buscam fazer todas  ao mesmo tempo agora seguidas umas das outras sem dar tempo se quer de assimilar o conhecimento recebido e trocado. Respeito esse tipo de comportamento, afinal também eu estive em muitas oficinas. Vi muito do que é interessante e desinteressante à minha trajetória e aprendi muito. Em outras só fui me dar conta do aprendizado tempos depois quando estava um pouco mais maduro. Praticar sempre é bom, conhecer sempre é necessário, porém temos que manter o norte, manter o foco, esse é o desafio nesse mundo cheio de "ofertas". 

Acredito na ideia do multiartista, onde o ator precisa saber de tudo um pouco, mas é preciso estar atento para não se perder.

O que há hoje em dia é que todo mundo para entrar no "mercado de trabalho" quer se ferramentar ao máximo, aprender de tudo. No final entendemos que aprender de tudo é uma ilusão e corremos o risco de nos tornarmos diletantes - sabermos de tudo um pouco e o que realmente importa, que é nosso ofício de ator, ficar prejudicado por não haver tempo de aprofundá-lo. E sabemos o quanto é trabalhoso manter a chama acesa. 

Acredito que exista "mercado" pra tudo. Na verdade, não gosto muito dessa palavra - "mercado" - dá uma ideia de produto, evoca a lógica consumista dos dias de hoje. Prefiro dizer espaço, me traz mais uma imagem de abertura. Pode ser loucura da minha cabeça, mas gosto disso. Pois bem, existe espaço para tudo, mas cabe o ator entender qual é o seu espaço, onde ele quer atuar e para onde direcionar sua energias. Portanto, não adianta ficar parasitante de oficina em oficina, de trabalho em trabalho, sem ter verdadeiramente um norte, no final todos precisamos de um norte, seja ele para onde for, mas precisamos.

Somos humanos, temos nossas limitações, quer queiramos ou não. No entanto, devemos nos lançar ao risco sempre. Às vezes quebramos a cabeça, uma dorzinha aqui, outra ali, mas saímos inteiros e felizes. Estar presente no ofício é mais ou menos isso: tem que mergulhar, se aprofundar, entender o que se faz. Um mestre pianista só é mestre porque sabe exatamente cada detalhe de seu instrumento, cada som emitido por ele, onde está cada tecla e o que ela é capaz de traduzir. Acredito que o ofício do ator obedeça essa mesma lógica. Mas também entendo que precisamos comer, morar, viver e para isso precisamos do dinheiro, precisamos trabalhar e é isso. Portanto, devemos ser compreensíveis nesse aspecto da questão e entender onde "aperta o calo". Mas ainda assim, devemos ser insistentes. Fazer teatro aqui, no Rio de Janeiro, no Brasil, é um ato de resistência, é um ato de revolta contra todas as impossibilidades. É preciso persistir, manter-se firme, se juntar com outros, porque sozinho tudo é mais complicado.

3 – O que representou para a sua formação ter sido aluno de Ribamar Ribeiro, Ana Kfouri, Ariane Mnouchkine entre outros?

Comecei o teatro com Ribamar Ribeiro, foi uma pessoa importante na base da minha trajetória, aprendi o teatro de grupo. Ana Kfouri foi uma passagem rápida no meu percurso, mas com ela tive uma percepção do corpo que ainda não havia explorado. Ela trouxe alguns fundamentos que até hoje reverberam em mim.

Pouco antes de ingressar na Martins Penna, percebi que precisava me aprofundar mais na prática, mergulhar no desconhecido, me arriscar mais.Quando entrei para a Escola, vislumbrei uma enorme gama de possibilidades. Conheci novos rumos, alguns interessantes outros nem tanto, mas ampliei minha escuta. Lá tive outros mestres que foram fundamentais em minha formação e o são até hoje: Marcos Henrique Rêgo, Eduardo Vaccari, Flávio Souza e Márcio Carvalho são mentores que hoje são meus amigos e me permitem continuar aprendendo.

Durante minha formação na escola de teatro pude participar de diversos encontros com grandes mestres. Com eles eu aprendia cada vez mais sobre esse ofício tão trabalhoso que é o do ator. Foi nesse momento que descobri meu norte e foi lá também, na Martins Penna, que me juntei a Bárbara Abi-Rihan, Anna Luiza e Viviane Pereira, o que hoje é a Multifoco, meu local de aprendizado constante. Então me considero um privilegiado, sortudo de ter tido a chance de conhecer essa galera e outros que hoje são nossos parceiros de jogo.

Verdadeiramente, nunca me vi como ator, sempre me enxerguei como alguém que fica fora da cena, que observa, que está nas coxias ou na cabine técnica. Gosto desse lugar. Com o tempo fui atraído para cena e gostei de viver o momento. Cada vez que estou em cena há um desnudar-me e isso é desafiador e importante para meu caminho.

Ariane Mnouchkine foi e é ainda uma grande referência para o teatro que busco fazer. Quando esteve no Brasil por conta das apresentações do espetáculo "Os Náufragos do Louca Esperança" estive nos encontros ministrados por ela junto ao Théâtre du Soleil. Foi uma experiência reveladora: com ela aprendi o sentido de "estar nu para o teatro". Cada dia naquele ambiente era um ato de comunhão com o teatro na sua forma mais inspiradora. Foram ensinamentos que entranharam em mim e que tenho o prazer de retransmiti-los sempre que posso.

Na Multifoco Companhia de Teatro, entendemos o valor que todos os mestres têm em nossa formação, pois sabemos que é somente por eles que no teatro de hoje existe uma formação. Todos eles continuam vivos em nossas práticas teatrais. Buscamos entendê-los, escutá-los, discordar deles e, às vezes, nos descobrir posteriormente concordando com tudo. Está tudo aí a nossa frente, é só escutar.

Por isso volto a questão anterior, temos como dar conta disso tudo em tão pouco tempo?

4 – Observa-se em seu currículo uma formação em ator, diretor e iluminador cênico. Com qual área você se identifica mais e por quê?

Com todas (risos).

Gosto de teatro e tudo que nele estiver contido, mas só me permito fazer aquilo de que tenho a percepção que posso fazer bem. Não me envolvo com figurino, por exemplo, porque sei que não vou fazer tão bem. Há gente que faz muito melhor, estudou para isso, mas sempre estou de olho para entender mais e aprender com quem sabe.

Comecei no teatro como iluminador, descobri essa aptidão ainda quando estava no Senac, meu primeiro curso de teatro. Fazíamos spot de luz com lata de tinta, uma lâmpada, pregos, parafusos, madeira, etc. A mesa de luz era uma caixa de feira com uns dimerizadores daqueles que usamos para ventilador de teto. Era a sensação! Em todas as peças de formatura usávamos esse recurso que sempre nos atendeu perfeitamente bem e, modéstia à parte, fazíamos com muita qualidade! Depois conheci os equipamentos profissionais, cada vez mais complexos e fui aprendendo. Digo sempre que aprendi a fazer iluminação na marra, não tinha ninguém que fizesse então tive que aprender. A partir disso trabalhei em diversas produções e trabalho até hoje. Adoro a técnica da luz, acho a iluminação o efeito especial do teatro.

A direção sempre exerceu um fascínio em mim, desde o princípio. Gosto de ser o observador privilegiado, de pensar a estrutura do espetáculo, de olhar os detalhes e vibrar fora de cena, de torcer para que o público se envolva, para que o ator se envolva, para que tudo dê certo e a mágica aconteça. Acredito que o diretor está para o teatro como o maestro para a música. Como pode uma orquestra com tantos instrumentos diferentes ficar em harmonia durante um concerto? Então ao diretor cabe esse olhar e essa escuta de fora, é a pessoa que fica externa ao furacão para conduzi-lo ao campo aberto.

Gosto de gente e gosto de entender como funcionam as relações que se dão. Nos filmes que assisto, gosto sempre da maneira como as cenas se desenrolam, como o argumento é abordado, acho que é isso também que me fascina na direção.

Ser ator é algo em que ainda estou me descobrindo. Só pratiquei verdadeiramente esse ofício quando ingressei na Martins Penna, escola centenária por onde passaram atores muito talentosos. Foi com eles que aprendi esse "estar em cena". A partir de lá, estive em alguns espetáculos, todos com os quais me identifiquei artisticamente. Quando acredito no espetáculo, fico completamente entregue.

Admiro muito os atores, acho um ofício muito trabalhoso e que exige alta dedicação de tempo. Há tantos atores admiráveis, amigos meus, que quando os vejo em cena fico pensando: "Nossa, como é difícil isso!". Mas me deixo levar pela inspiração que eles me causam. As atrizes e atores que trabalham comigo são indiscutivelmente minhas inspirações práticas. Vendo-os em cena sou tomado constantemente pelo desafio de entendê-los e assim compreender mais este ofício.

Mas continuo afirmando que tudo isso só é possível porque tenho os pares da Multifoco como companheiros fiéis. Brigamos, nos chateamos, discutimos, falamos besteiras de que nos arrependemos depois, mas no final sabemos que é para construir algo maior do que nós mesmos, para buscar fazer com qualidade aquilo que nos comprometemos a fazer. O teatro tem esse poder, de revirar nossas emoções. No final entendemos que o mais importante são as relações, entendemos que somos humanos, um projeto ainda não acabado e que precisamos do teatro para nos tornarmos melhores, para estreitar as relações, para nos sentirmos inteiros.

Segue o vídeo da oficina O jogo Teatral no Corpo do Ator:

O período da inscrições para as oficinas serão de 30 de junho a 20 de julho.